asleep

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Ouvi uma batida na porta. 3 seguidas. Mais uma. Abri, me deparei com Charlie - meu pai - segurando um copo de refrigerante e me avaliando da cabeça aos pés. Abaixei a cabeça e fiquei em silencio até que ele respondesse o que queria em plena 23:00 pm.
"Está tudo bem com você?" me perguntou olhando diretamente para os meus olhos que aquela altura, provavelmente estariam vermelhos e inchados de tanto que eu já havia chorado.
"Claro, pai. Bebendo refrigerante uma hora dessas? Se a mamãe lhe pegar..." fui interrompida por Charlie.
"Se a sua mãe me apanhar aqui no corredor, falarei que trouxe para você. Foi a única coisa que achei na cozinha que fosse doce e que talvez melhorasse o seu humor. Também trouxe essas jujubas." levantou uma taça com várias jujubas coloridas dentro. "Agora você já pode me contar que é que está acontecendo, Pepper?"
"Acontecendo o que? Não há nada acontecendo." Cruzei os braços e olhei impaciente para todos aqueles livros e apostilas jogados em cima da minha cama. Como se eu quisesse enganá-lo, ali era uma prova de que eu estava estudando. Tudo bem, eu não estava.
Ele sorriu e adentrou o meu quarto sentando em uma cadeira próxima a escrivaninha. "Eu lhe conheço o suficiente para saber quando está mentindo." Sentei na minha cama e encarei o chão. "Pepper, não estamos tendo uma relação muito agradável ultimamente, mas, eu sou o seu pai. E o seu amigo também, lembra do ano passado? Você me contava as coisas." Ele esticou o braço para me entregar a taça de jujubas. Coloquei uma em minha boca.
"É o Tony." Comecei a falar enquanto empurrava duas jujubas em minha boca.
"O que tem ele? Você está chorando por causa dele? Achei que ele fosse um bom rapaz." Fez uma careta engraçada, como quem quase se arrependera do que havia falado. Meu pai não costumava elogiar as pessoas. Principalmente o meu namorado. Mas gostava dele, pelo menos.
"Não, pai. Não é isso. Eu só estou chorando pelo o que eu estou sentindo, entende? Não é uma coisa que ele necessariamente tenha feito. Sou eu apenas que penso demais, acabo ligando as coisas e depois fico desse jeito." Empurrei mais jujubas na minha boca. Charlie estendeu a mão novamente, dessa vez para me entregar o copo cheio de refrigerante.
"Então... quer conversar sobre isso?" ele me perguntou se afundando mais na cadeira e me olhando intensamente com os seus olhos cintilando por detrás de seus óculos. "Tenho o tempo inteiro do mundo para lhe ouvir."
"Ele gostava de uma garota... e ele sente falta dela, pai. Eu sou algum tipo de tapa buraco? O senhor sabe mais do que ninguém o quanto eu sou ciumenta."
"É, eu sei muito bem disso, lembro daquela vez que você ficou sem falar comigo durante uma semana apenas porque eu havia cantado junto com aquela gerente do shopping em uma gincana da sua escola." ele deu uma risada rouca. "mas isso não vem ao caso, continue."
"Então, eu acho que ele gosta de mim... mas ele também pode gostar dela. Eu tenho certeza, pai!" fiz uma careta retorcida, como se estivesse com nojo ou dor. Charlie continuava sério e prestando atenção em cada palavra dita por mim. Coloquei mais jujubas em minha boca e prossegui. "Eu não sei, sabe? Eu acho que ele deveria ter me dito que gostava dela, que se importa com ela. É estressante isso. Eu não consigo superar. Eu fui honesta e sincera com ele, não que eu esperasse que ele fosse fazer o mesmo, mas... porra! Pra que mentir?! Eu não estou chorando - tomei um gole de refrigerante - por causa dele, eu estou chorando por minha causa. Eu devo ter algum problema mental, pai?" ele riu e balançou a cabeça negativamente. "Eu juro que queria ser mais compreensiva e menos neurótica e ciumenta, mas eu não consigo. Eu não consigo lidar com absolutamente nada. Nenhum desses sentimentos para mim faz sentido. Queria entender... Eu confio nele, confio. Mas não tanto... sempre fico com o pé atrás em relação a qualquer pessoa. Mas, pai! Não é culpa minha, juro que não é. Mas é que desde pequenas, nós somos ensinadas a não confiar em homens... Eu acredito nele, ele pode me amar. Mas ele pode ainda ser apaixonado por ela. Ele sente a falta dela e isso é o que mais me dói. Eu não queria me importar tanto, não queria ser assim. Gostaria de ser que nem ele, não me importar com o que eu sinto ou sei lá. Tudo o que eu sinto é frescura, é idiota, é isso e aquilo. Eu não quero ser tratada como uma imbecil..." Fui interrompida por Charlie, dessa vez ele tinha a expressão do rosto vazia.
"Se você gosta dele, deveria confiar um pouco mais. Com quem ele está? Com você. Relações são assim mesmo. Você não pode demonstrar isso, por mais que sinta."
"Eu sei, pai. Mas eu não consigo. Eu já tentei, juro, eu já tentei. E ele está comigo apenas porque ela deu um fora nele. Pelo menos eles não ficaram, acho que se tivessem ficado, eu teria pegado herpes daquela idiota." Grunhi e remexi em meus cabelos. Eu realmente detestava aquela vagabunda. "Mas é aí que está, pai. Eles não ficaram, então por isso talvez ele goste dela. Talvez isso alimente alguma coisa nele, sabe? Aquela velha historinha de Como Seria Se Tivesse Acontecido. Talvez ele não me pertença. Eu não sei. Eu tenho tantas dúvidas." coloquei mais jujubas em minha boca, a taça já estava quase vazia.
"Você deveria ser menos insegura." Charlie falou severamente. "Eu não criei você para ficar se achando incapaz de ter alguém por completo ou não. Muito menos para ser tapa-buraco de alguém. Não acredito que o Tony seja capaz de fazer alguma coisa assim, mas cabe à você confiar ou desconfiar. Você deve ter os seus motivos para isso. Só não deixe que isso estrague as coisas antes mesmo de resolvê-las. Se eu fosse você, falaria com ele e contaria exatamente como se sente em relação a esse assunto."
"Mas eu não consigo. Sempre que tentamos, discutimos. Ele fica nervoso e irritado. É por isso que eu acho que tem coisa por trás dessa história, pai. E eu também... eu acabo explodindo. Eu só não consigo conviver com isso. Eu li umas coisas... ele deixava bem claro que se importava com ela, que sentia falta dela, que ela era uma grande amiga para ele." retorci o canto da minha boca enquanto fazia uma voz fininha e aguda para falar sobre essa prostituta.
"Você tem que conseguir. Acredito em você. E é como eu lhe disse; só não deixe que isso estrague as coisas antes mesmo de pelo menos tentar resolvê-las." Charlie se levantou da cadeira e me deu um abraço muito apertado. Segurei as lágrimas ali. "Agora tenho que ir. Vá descansar. Eu amo você, Pepper."
"Eu também te amo, pai."


E fechando a porta do meu quarto, me joguei em minha cama e finalmente consegui dormir.